// Até onde vai a lata de um tagger
Acompanhámos dois homens que, na noite de Lisboa, espalham os seus tags: assinaturas em spray, ilegíveis e ilegais. A praga vista por dentro.
"A cidade está deserta, e alguém escreveu o teu nome em toda a parte." Filipe, de 21 anos, entoa a frase roubada aos Ornatos Violeta, uma das suas bandas favoritas. A música pouco tem a ver com a cultura underground dos taggers - fala de amor -, mas parece assentar-lhe que nem uma luva. Entre Sete Rios e Benfica, enquanto a cidade dorme, há quem deixe rabiscos por todo o lado: "Nas casas, nas pontes, nas ruas."
Praga ou arte urbana? Crime ou forma de expressão? A cidade de Lisboa está pintada a spray. Ruas, bairros, becos, autocarros, comboios, nada escapa à lata de um writer. As assinaturas tornaram--se uma dor de cabeça para os moradores - e custam 30 mil euros por mês à autarquia. Em nome da liberdade, dizem de um lado; lixo urbano, clamam do outro. "É vandalismo gratuito", sentencia Luís, 31 anos, um dos taggers mais antigos da capital. Risko, o seu pseudónimo, é provavelmente dos mais vistos em Lisboa.
Assume-o sem rodeios e visivelmente orgulhoso na omnipresença, embora seja curto nas explicações: "Faço isto de forma irracional, como qualquer pessoa que fala ao telemóvel enquanto conduz." Depois há o lado egocêntrico: "Gosto de passar nas ruas e dizer ?olha, o Risko esteve aqui?." Na verdade, o Risko está em toda a parte. Ou quase.
Nove e meia da noite. Na estação de caminhos-de-ferro de Benfica, Risko e Calor preparam-se para mais uma noite de trabalho. Não há plano: qualquer local serve para "dar uns tags", desde que seja visível para muita gente. "É facílimo arranjar casas, fábricas abandonadas, paredes a que ninguém liga", garante Risko, um veterano do bombing, variante mais radical de graffiti.
Filipe (Calor), mais novo, é tratado como seu pupilo: pouco falador, recebe as instruções - "se aparecer a bófia, atiras as latas para o jardim" -, e carrega a mochila com o material. "Hoje trazemos oito latas de spray", conta. As horas que se seguirão adivinham-se agitadas, numa espécie de jogo do "toca e foge". "Temos de andar rápido. Quem nos vê pode chamar a polícia", avisa o veterano. Rua acima, o duo atravessa um bairro residencial de Benfica em direcção a uma casa abandonada. Para trás vão deixando marcas: postes de iluminação e paragens de autocarro. A lógica esgota-se na marcação do território, dividido entre os diferentes crews (grupos de writers). "Era para ser um centro de saúde, mas a obra nunca chegou a ser acabada", afirma Risko. Hoje é local de eleição para a criatividade de dezenas de writers.
Apanhado no metro Há uma espécie de código de ética e hierarquia entre os taggers: normalmente não pintam sobre outras assinaturas, na zona onde vivem, nem em edifícios novos. Muitas vezes, o tag funciona como uma mensagem enviada a outras crews. É também habitual grupos rivais pintarem fora das suas zonas, por vingança ou simples provocação.
Não foi o caso. Seguimos em direcção a Sete Rios, zona que Risko reclama como sua. Pelo caminho exibe orgulhosamente as criações, algumas com mais de dez anos. "O tag tem essa componente, eterniza-nos. Um amigo meu morreu há seis anos, mas a marca dele ainda está nas ruas. Continua vivo." Junto à Radial de Benfica, os pilares que seguram a Segunda Circular são presas fáceis para os taggers. Bem mais fáceis do que o metropolitano. Calor sabe do que fala, foi detido, julgado e condenado à custa de uma incursão nocturna aos túneis do metro. "Levei uns bons socos dos seguranças e paguei uma multa de 300 euros", diz.
Pintar uma carruagem é uma tarefa arrojada, e o risco nem sempre compensa: serve apenas para conquistar um troféu - uma fotografia -, já que nenhuma composição circula grafitada. "Um bombing no metro implica disponibilidade. É quase como pôr uma bomba. É preciso furar a segurança, passar muitas horas a observar e a planear", explica RAM, outro veterano dos graffiti, e dos poucos que vivem na legalidade - só pinta onde é permitido, e é esta actividade que lhe paga as contas de casa.
O seu caso é uma excepção. Para a grande maioria, o tag é um divertimento cujos custos não estão ao alcance de todos: cada lata custa quase três euros e meio. "Ganho 500 euros por mês e gasto quase tudo em graffiti", assegura Risko, que faz uns biscates na área da publicidade e do design. "Os graffiti salvaram-me a vida. Nunca me meti em drogas, apesar de ter vivido num gueto propício à delinquência." Calor afina o discurso pelo mesmo tom: "Em vez de gastar dinheiro em drogas, gasto em tintas."
Do outro lado da linha "Há pessoas que evoluem do tag para a mensagem", explica RAM, que há muito estuda o fenómeno dos grafitti em Portugal. Aos 32 anos, muitos depois de ter deixado o bombing, só pinta com autorização. Ou quase. O princípio mantém-se: ser visível.
Esse mesmo princípio leva Risko e Calor a descobrirem uma passagem para a parte interior da linha de comboio, junto à estação de Sete Rios. O caminho obriga-os a escalar um pequeno monte de terra cheio de silvas e a saltar um muro. Nada que os pilares interiores junto à linha não justifiquem: "Amanhã quem passar no comboio vai olhar", acredita Risko. No regresso, o veterano encontra uma saída junto à vedação. Ergue-a e dá passagem a todos: "Fácil, não? Faço isto há muitos anos."
*Fonte: Jornal "i"
20.5.09
Jornal "i"
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4 comentários:
eu diria que é um belo apanhado...
belo artigo =).... bombing for life
apanhaste umas peras de uns sugas gordos... com sorte nao foi duns gajo k eu conheco k ando sempre por esses lados. sortudo
Po Anónimo, pelos vistos tens medo de alguma coisa para nao te identificares.lol,E já agora conta historias verdadeiras kando kizeres falar de mim. RiskO!*
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