20.5.09

Jornal "i"

// Até onde vai a lata de um tagger

Acompanhámos dois homens que, na noite de Lisboa, espalham os seus tags: assinaturas em spray, ilegíveis e ilegais. A praga vista por dentro.

"A cidade está deserta, e alguém escreveu o teu nome em toda a parte." Filipe, de 21 anos, entoa a frase roubada aos Ornatos Violeta, uma das suas bandas favoritas. A música pouco tem a ver com a cultura underground dos taggers - fala de amor -, mas parece assentar-lhe que nem uma luva. Entre Sete Rios e Benfica, enquanto a cidade dorme, há quem deixe rabiscos por todo o lado: "Nas casas, nas pontes, nas ruas."

Praga ou arte urbana? Crime ou forma de expressão? A cidade de Lisboa está pintada a spray. Ruas, bairros, becos, autocarros, comboios, nada escapa à lata de um writer. As assinaturas tornaram--se uma dor de cabeça para os moradores - e custam 30 mil euros por mês à autarquia. Em nome da liberdade, dizem de um lado; lixo urbano, clamam do outro. "É vandalismo gratuito", sentencia Luís, 31 anos, um dos taggers mais antigos da capital. Risko, o seu pseudónimo, é provavelmente dos mais vistos em Lisboa.

Assume-o sem rodeios e visivelmente orgulhoso na omnipresença, embora seja curto nas explicações: "Faço isto de forma irracional, como qualquer pessoa que fala ao telemóvel enquanto conduz." Depois há o lado egocêntrico: "Gosto de passar nas ruas e dizer ?olha, o Risko esteve aqui?." Na verdade, o Risko está em toda a parte. Ou quase.

Nove e meia da noite. Na estação de caminhos-de-ferro de Benfica, Risko e Calor preparam-se para mais uma noite de trabalho. Não há plano: qualquer local serve para "dar uns tags", desde que seja visível para muita gente. "É facílimo arranjar casas, fábricas abandonadas, paredes a que ninguém liga", garante Risko, um veterano do bombing, variante mais radical de graffiti.

Filipe (Calor), mais novo, é tratado como seu pupilo: pouco falador, recebe as instruções - "se aparecer a bófia, atiras as latas para o jardim" -, e carrega a mochila com o material. "Hoje trazemos oito latas de spray", conta. As horas que se seguirão adivinham-se agitadas, numa espécie de jogo do "toca e foge". "Temos de andar rápido. Quem nos vê pode chamar a polícia", avisa o veterano. Rua acima, o duo atravessa um bairro residencial de Benfica em direcção a uma casa abandonada. Para trás vão deixando marcas: postes de iluminação e paragens de autocarro. A lógica esgota-se na marcação do território, dividido entre os diferentes crews (grupos de writers). "Era para ser um centro de saúde, mas a obra nunca chegou a ser acabada", afirma Risko. Hoje é local de eleição para a criatividade de dezenas de writers.

Apanhado no metro Há uma espécie de código de ética e hierarquia entre os taggers: normalmente não pintam sobre outras assinaturas, na zona onde vivem, nem em edifícios novos. Muitas vezes, o tag funciona como uma mensagem enviada a outras crews. É também habitual grupos rivais pintarem fora das suas zonas, por vingança ou simples provocação.

Não foi o caso. Seguimos em direcção a Sete Rios, zona que Risko reclama como sua. Pelo caminho exibe orgulhosamente as criações, algumas com mais de dez anos. "O tag tem essa componente, eterniza-nos. Um amigo meu morreu há seis anos, mas a marca dele ainda está nas ruas. Continua vivo." Junto à Radial de Benfica, os pilares que seguram a Segunda Circular são presas fáceis para os taggers. Bem mais fáceis do que o metropolitano. Calor sabe do que fala, foi detido, julgado e condenado à custa de uma incursão nocturna aos túneis do metro. "Levei uns bons socos dos seguranças e paguei uma multa de 300 euros", diz.

Pintar uma carruagem é uma tarefa arrojada, e o risco nem sempre compensa: serve apenas para conquistar um troféu - uma fotografia -, já que nenhuma composição circula grafitada. "Um bombing no metro implica disponibilidade. É quase como pôr uma bomba. É preciso furar a segurança, passar muitas horas a observar e a planear", explica RAM, outro veterano dos graffiti, e dos poucos que vivem na legalidade - só pinta onde é permitido, e é esta actividade que lhe paga as contas de casa.

O seu caso é uma excepção. Para a grande maioria, o tag é um divertimento cujos custos não estão ao alcance de todos: cada lata custa quase três euros e meio. "Ganho 500 euros por mês e gasto quase tudo em graffiti", assegura Risko, que faz uns biscates na área da publicidade e do design. "Os graffiti salvaram-me a vida. Nunca me meti em drogas, apesar de ter vivido num gueto propício à delinquência." Calor afina o discurso pelo mesmo tom: "Em vez de gastar dinheiro em drogas, gasto em tintas."

Do outro lado da linha "Há pessoas que evoluem do tag para a mensagem", explica RAM, que há muito estuda o fenómeno dos grafitti em Portugal. Aos 32 anos, muitos depois de ter deixado o bombing, só pinta com autorização. Ou quase. O princípio mantém-se: ser visível.

Esse mesmo princípio leva Risko e Calor a descobrirem uma passagem para a parte interior da linha de comboio, junto à estação de Sete Rios. O caminho obriga-os a escalar um pequeno monte de terra cheio de silvas e a saltar um muro. Nada que os pilares interiores junto à linha não justifiquem: "Amanhã quem passar no comboio vai olhar", acredita Risko. No regresso, o veterano encontra uma saída junto à vedação. Ergue-a e dá passagem a todos: "Fácil, não? Faço isto há muitos anos."

*Fonte: Jornal "i"

4 comentários:

Pedro Soares Neves disse...

eu diria que é um belo apanhado...

orin one disse...

belo artigo =).... bombing for life

Anónimo disse...

apanhaste umas peras de uns sugas gordos... com sorte nao foi duns gajo k eu conheco k ando sempre por esses lados. sortudo

Anónimo disse...

Po Anónimo, pelos vistos tens medo de alguma coisa para nao te identificares.lol,E já agora conta historias verdadeiras kando kizeres falar de mim. RiskO!*