3.11.08

Cartel entrevista MAR



// Há quanto tempo te iniciaste no graffiti e como?

MAR: Bem, antes de mais agradeço este convite, e aprecio o teu interesse pelo trabalho que já venho a desenvolver há cerca de 10 anos. Iniciei-me em 98 juntamente com o Klit, o nosso mentor na altura era o Roket, old school writer de Almada, que nos fez pegar em latas pela primeira vez.
Até então tinha apenas muita curiosidade e muitas fotos de paredes, por exemplo do Hall of fame das “Amoreiras”, dos PRM ao pé de Belém, do Uber em Algés, e muitos mais. Foi um começo engraçado, porque estávamos todos na nossa hora de almoço (isto porque trabalhávamos todos juntos num estúdio de animação nas Olaias) e foi só descer e tinhamos um muro de um ginásio virado para a linha do comboio. Fiz umas letras, as minhas primeiras letras, percebi logo que não era por ali, voltamos lá depois de alguns dias para continuar a nossa obra e fomos apanhados pela policia, mas não se passou nada - o normal. Demos a nossa identificação mas como o proprietário não apresentou queixa estou até hoje sem receber nada e acho que passou á história.
E assim foi até hoje, sempre a trabalhar agora de uma forma mais séria e profissional, uma evolução constante à procura da consistência gráfica numa parede, numa tela, ou apenas numa simples folha de papel.




// Quais são para ti as principais diferenças entre essa altura e os dias de hoje, não só no teu trabalho pessoal como no graffiti em geral?

MAR: Na altura, em 98 - eu já pertenço à 2º geração do graffiti em Portugal - começava o boom, houve muita gente que começou a pintar e nessa época, falo aqui em termos pessoais, fazíamos pelo “rush”, pela krew, pintava muito mais à noite e fazíamos fins-de-semana em Almada na “Galeria” onde surgiu um interesse pela parte mais técnica, pelas ideias, pelos ideais, pelo convívio. Aí percebi que o graff podia evoluir para um lado mais de arte.
O que eu sinto nos dias de hoje é que não há grandes diferenças do passado, os que continuaram, os que se dedicaram só agora estão a ter um retorno em termos de evolução e de objectivos alcançados, o tempo e o trabalho feito é o melhor
barómetro de qualidade. Acho que houve uma maior apropriação do graff por parte das marcas e o graffiti neste momento está com uma indústria brutal por detrás, que assegura eventualmente parte da sua continuidade. O que por um lado pode prejudicar, mas por outro mantém no vivo em termos de movimento existente numa cultura social que por vezes sofre altos e baixos. Cabe a nós, os que cá ficam dar um bom destino a esta arte urbana.
Em relação ao meu trabalho, sinto que evolui naturalmente, mais maduro e com uma visão mais capacitada para conseguir distinguir o bom do mau e compreender o caminho a seguir.


// Hoje em dia vives do teu trabalho criativo, o que em Portugal não deixa de ser quase uma excepção à regra. Quais foram aqueles que consideras os passos mais importantes para teres alcançado esse "estatuto"?

MAR: Eu acho que não existe nenhuma fórmula mágica, sempre sonhei, sempre acreditei, sou muito optimista, estou rodeado de bons amigos e com muito, muito trabalho e persistência, consegues. Eu próprio por vezes sinto-me cansado mas não olho para trás nem me deixo abater, porque as escolhas que fazes tens de ser responsável por elas e responder com trabalho. Adoro pintar.



// O teu trabalho caracteriza-se pelo uso de bastantes personagens num estilo que te vem diferenciando dos demais. Mas existe muitas vezes o rótulo de que quem faz bonecada e não faz com regularidade letras não é o "verdadeiro" writer. O que respondes a isso?

MAR: O graffiti sempre se fez acompanhado de personagens. Claro que a base do graffiti são letras e a escrita, mas como tudo na vida tem uma evolução o graffiti não foge a regra e como tal as minhas personagens funcionam como uma ponte visual entre o espectador e a obra.
Considero que não sou um writer completo, mas neste momento desempenho o meu papel numa vertente que o movimento tem que é o “hall of fame”. E pesquiso muito as formas das personagens como outros pesquisam as formas das letras, importa o sentido que dás e como te inseres num fame, já existem tantos writers a fazer letras que quis ir pelo lado que me desperta mais sensações.




// És o grande responsável pelo evento Seixal Graffiti, que vem sendo nos últimos anos o melhor meeting nacional de graffiti. Quais são as maiores dificuldades que encontras para tornar ano após ano este evento viável?

MAR: As maiores dificuldades que encontro é uma instabilidade financeira por parte da Câmara Municipal, o nosso principal apoio. Não digo isto de uma forma perjurativa, visto que tem sido um grande ajuda ao longo destes anos todos. Sempre contei com a sua disponibilidade, mas ás tantas, talvez por ser um evento já mais do que feito, parece existir um certo desleixo organizacional, uma inércia orçamental. Como única ajuda financeira para colocar este evento de pé, e estando sempre dependente dessa ajuda, existem prazos que não são cumpridos e isso não pode acontecer. Estamos sempre até a última para saber das latas, das viagens de writers convidados, etc. Contratempos esses que colocam em causa este evento.
Talvez pelo facto de querer manter este evento muito “underground” sem o festival de marcas, também dificulta um pouco, mas gostava de manter essa filosofia.


// Sentes-te de certa forma desapoiado não só por quem deveria suportar e patrocinar este evento, mas também pelos writers que nem sempre conseguem ter a noção de que o teu esfoço não é em prol pessoal uma vez que nem dinheiro ganhas com isso, mas em prol do graffiti nacional?

MAR: Eu chego à conclusão que é sempre assim, haverá sempre vozes da revolta, mas é como te digo, são apenas vozes que desaparecem no ar e não são sustentáveis pelo simples facto de serem apenas vozes. Não existe nada físico, nada que possa ser passível de haver um confronto de ideias, um comparar de trabalho feito. Isto respondendo aos mais incomodados, mas penso que de uma forma geral existe de facto uma concordância entre os writers e isso veio com o tempo, de que colocar de pé um evento como este exige muito esforço e dedicação por parte de todos, não só da minha parte. Mas precisamos de nos juntar para nos levarem mais a sério.
A minha tarefa mais difícil no Seixal Graffiti é sem duvida uma gestão de egos, que isso sim te de ser ultrapassável. Porque não pode nem deve existir esses conceitos de espaços e de quem pinta com quem num meeting, devemos dar menos importância a certas e determinadas coisas. Eu sinto que o que faço é um pouco em prol do graffiti em Portugal, em prol da sua existência como arte e se fosse para ganhar dinheiro já tinha desistido à muito, aliás, perco dinheiro todos os anos.
Eu acredito que este tipo de evento, com tudo o que ele acarreta (seja bom ou mau), é o que faz a evolução.




// Na edição deste ano existiram alguns contratempos, os quais não podias evitar. O que aconteceu para os writers internacionais não terem marcado presença?

MAR: Foi muito simples. Como falava na questão anterior, as verbas que nos são atribuídas por parte da Câmara simplesmente desapareceram a duas semanas do evento, e os writers convidados já tinham sido contactados. O que acontece neste casos é que quem viaja para pintar como convidado gosta de ter tudo tratado, com viagem paga, etc, e não foi o que aconteceu. Sem dinheiro não se consegue fazer nada. E como eu não tinha para colocar à frente nem queria, optei por cancelar a sua vinda este ano, com muita pena minha. Tivemos alguns estrangeiros muito bons que já cá estavam em Portugal, como foi o caso do Onesto do Brasil e conseguimos um mural que este ano bateu o record com cerca de 70 writers a pintar no Seixal.



// E de que forma reages ao que aconteceu durante a noite..? (ver post "Seixal Graffiti 2008 ver.1")

MAR: Existem pessoas que de facto ainda não perceberam a força que o graffiti tem e esses actos apenas servem para reforçar a minha vontade em manter este evento. Eu sou teimoso e não vou abaixo facilmente, tudo o que essas pessoas ou pessoa fizeram foi unir ainda mais os writers para fazer mais e melhor. Tivemos uma tempestade no domingo, e mesmo quem não conseguiu acabar voltou na segunda para terminar, o que eu acho de louvar e dou os meus parabéns por querer ver terminado o trabalho. Quando isso acontece é porque existe um gosto pessoal e uma vontade enorme que não será certamente abalada por actos cobardes como estes.



// Seixal Graffiti 2009...vai ser diferente?

MAR: Vai! Tem de ser diferente. Vamos ter uma reunião com a Câmara para perceber o que correu mal, o que correu bem. Para o ano vou colocar algumas regras e pârametros que devem ser respeitados, caso contrário também não faço este evento. Existem erros que podem ser evitados, como foi o caso dos andaimes, do número de latas e artistas convidados, etc.



// Por último e só para dar um cheirinho...VSP 2008, queres adiantar alguma coisa?

MAR: A VSP2008 tem inauguração marcada para o dia 27 de novembro, na Rua do Norte - Bairro Alto, que depois se desdobrará em outras actuações em sítios depois a divulgar. Vamos ter writers convidados, que não irão só pintar mas também falar um pouco da sua experiência, e outras surpresas. Estão todos convidados a aparecer. Podem consultar a programação no site da Visual Street Performance.
E também quero dar-te os parabéns por este fantástico trabalho que tens feito de amor à causa e como interpretas esta complexa e apaixonante arte. Continua o bom trabalho


2 comentários:

Anónimo disse...

grande Mar - o que o bom artigo não demonstra por inteiro, inevitavelmente, é a excelente pessoa que este gajo é, companheiro dedicado e pai de família! ;p

Sofia disse...

Great Cartel! Bom conteudo
VSP2008 é já dia 27 Nov nem fazia noção