2.9.08

Visão Sete

// É PRECISO TER LATA...



Nem todo o graffiti é acusado e condenado por danos murais. Verdadeiras galerias a céu aberto, as ruas também ajudam a mostrar o trabalho de alguns artistas do spray. E procura não falta. O hobby virou negócio.

«Há dias, fui à esquadra por causa de um problema e, quando disse ao polícia que fazia graffiti ele quis saber mais coisas. Viu o meu portfolio e depois pediu-me um orçamento para lhe pintar uma parede de um quarto. Até ficou com o meu contacto para me ligar. Quando contei ao meu pai, que estava cá fora à minha espera, escangalhámo-nos os dois a rir». Aos 25 anos, Caos – é pelo tag, a assinatura que deixa nos trabalhos, que pretende ser tratado – não podia deixar de ver o lado cómico da situação. Afinal, depois de alguns anos a pintar em locais ilegais, e de algumas vezes ter ido até à esquadra para ser identificado, «é, no mínimo, curioso» verificar o interesse do agente da PSP pelo seu trabalho.

O alcance do episódio permite também perceber que, hoje, nem todos os graffiti são vistos de forma igual. Na maioria dos casos, a «responsabilidade» pela má fama cabe ao bombing, um tipo de graffiti normalmente pouco elaborados e que, em muitos dos casos não passam de tags, a assinatura dos autores. São esses que, quase sempre ilegalmente e feitos de forma rápida, povoam a maior parte das paredes e muros de edifícios públicos e privados, caixas de alta tensão, sinais de trânsito, contentores de lixo, cabines telefónicas e todo o tipo de mobiliário urbano.
Depois há os outros. Pinturas elaboradas saídas directamente da imaginação dos writers – é assim que os graffiters preferem ser chamados – ou tendo por base uma imagem real. São essas, espalhadas pelo Porto e arredores, em muros de velhas fábricas ou mesmo em propriedades particulares que atraem uma curiosidade e procura crescente.



| A cidade como montra

Pouco tempo depois de concluir o curso de Design de Comunicação na Escola Superior de Belas Artes, Caos instalou o seu atelier numa das salas do bar Maus Hábitos, na baixa portuense. É aí, frente ao computador portátil, que programa quase todo o trabalho, grande parte do qual, passa pelo graffiti. Lojas, bares, stands, restaurantes ou casas particulares são alguns dos principais clientes de um hobby que virou negócio. «Hoje», garante, «dou-me ao luxo de ter um portfolio quase todo feito à custa do graffiti. Sem estar preso a um horário rígido de uma qualquer empresa, não me falta trabalho e posso gabar-me de fazer aquilo que gosto que é ilustrar e desenhar. E além disso, enquanto técnica, o graffiti é excelente».

Tal como Caos, também Mr.Dheo - um tag que o próprio faz questão de esclarecer, «não tem nada de presunção. É apenas a forma como os amigos me tratam» - é movido pela paixão. Autor de trabalhos que designa como foto-realismo, Dheo atribui mesmo ao graffiti um invulgar lugar de destaque na sua cadeia de prioridades: «É a maior necessidade que tenho, depois de comer, dormir e estar com a minha namorada. Acho que isto dá uma ideia, não?».
Ao contrário de Caos, Dheo nunca pretendeu seguir Belas Artes por receio de formatar ideias. «Ia acabar por sentir influências e perderia a identidade própria. Eu não quero ter limites». Aos 22 anos, trabalha como designer gráfico na Club Magazine, um roteiro da noite portuense, em forma de revista, uma actividade que o fascina. Mas é na rua, junto à estação de Valadares (Gaia), em frente às telas de tijolo e cimento que se sente preenchido. Apesar de relativamente recôndita, a antiga fábrica de vinhos agora em ruínas foi chamariz suficiente para um convite de um vizinho para «fazer o que quisesse» do enorme muro que lhe ladeia a casa. É aí com uma precisão cirúrgica que dá forma, em spray, a rostos e expressões. O problema é o tempo. A página na internet e, principalmente, as inúmeras solicitações para workshops e trabalhos diversos, a exemplo de Caos, não lhe deixam margem para o divertimento puro.
Sobre os valores cobrados por cada trabalho, qualquer dos writers tem dificuldade em falar e, garantem, nem é por uma questão de segredo profissional ou por causa do fisco. É mesmo, garante Caos, «porque os orçamentos «são feitos caso a caso e em função do trabalho pedido».



São, de resto, as solicitações, sempre em crescendo, que preocupam a vida universitária de Sphiza. Num «mundo» dominado por rapazes, uma rapariga, ainda para mais com apenas 19 anos, já seria motivo de atracção. No caso de Sphiza, actualmente no segundo ano do curso de Pintura, em Belas Artes, junta-se a isso também a qualidade do trabalho de rua e o gosto por pintar expressões, «principalmente de pessoas conhecidas». A mancha, um jogo de cores que transmite uma ideia de tridimensionalidade, é a sua imagem de marca. Mesmo assim, Sphiza não se considera muito versátil. «Pinto há pouco tempo e tenho muito para aprender mas nesta altura ainda me sinto um pouco separada entre o pincel e a parede». De qualquer forma, garante, «o graffiti está na moda e é através dele que sou convidada para muitos eventos e conheço inúmeras pessoas. Só por isso já valia a pena mas ainda por cima me pagam. Nalguns casos eu já ficava satisfeita se me pagassem só as despesas».
Tal como Dheo e Caos, também ela não imagina a vida sem o graffiti. «Não é apenas o hobby de fim de semana, está a abrir-me muitas portas». A sorrir, Sphiza até já se vê, daqui a cinco anos, «instalada num atelier gigante, a fazer aquilo que mais gosto».

*Mário David Campos | VISÃO nº 738 | 27 Abr. 2007

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